segunda-feira, 15 de outubro de 2012

O mexilhão dourado e seu transcriptoma


Há algumas semanas, entre os dias 25 e 30 de setembro, vivi bons momentos entre amigos em um verdadeiro paraíso tropical; a praia pernambucana Porto de Galinhas. Não, não estava lá para tirar as boas e merecidas férias. Mas fui por um outro motivo também fortemente motivador, a ciência; fui participar do XII Congresso Brasileiro de Ecotoxicologia.

Minha participação envolveu uma breve apresentação do meu próprio trabalho de mestrado. Já expliquei aqui nesse blog brevemente que estou estudando a genética de dois moluscos bivalves, o mexilhão de água doce invasor Limnoperna fortunei e o marinho Perna perna.


Estou montando um perfil transcriptômico para ambas as espécies. Montar um transcriptoma é parecido com montar um genoma, que tenho certeza que você já ouviu falar sobre. A diferença é que um transcriptoma representa apenas uma parte do genoma; a que contém os genes. O genoma inteiro possui várias regiões chamadas não codificantes, que representam um desafio na montagem. Com o transcriptoma, não estamos preocupados com esta parte.

E porque estou fazendo isso? A razão para sequenciarmos e mapearmos os genes para ambas as espécies é diferente entre si. Este post trata das razões pelas quais estou montando o transcriptoma de Limnoperna fortunei, o mexilhão dourado.

Na verdade, muitas pessoas já ouviram falar dele. Este organismo é um invasor asiático, presente em águas sul americanas desde o início da década de 1990. Ninguém sabe ao certo, mas temos boas razões para imaginar que o mexilhão dourado fez sua viagem da Ásia até aqui em água de lastro de algum navio. Em 1991, pesquisadores encontraram os primeiros espécimes no porto de Buenos Aires, na Argentina. E, desde então, ninguém conseguiu impedí-lo de se estabelecer por aqui! Atualmente ele está presente nos maiores rios da América do Sul, como os rios da Prata, Uruguai, Paraguai e Paraná. Também anda infestando o lago Guaíba, no sul do Brasil, e alguns outros rios e lagos da região. A distribuição limite norte do mexilhão dourado é a cidade de Cáceres. Adivinhe? No coração do Pantanal Brasileiro.

Ok. Temos um mexilhão novo em nossas águas. E daí?

Vários 'daís'. Dentre as diferentes características biológicas que este mexilhão possui e que facilitam seu sucesso como invasor, uma bastante marcante é a capacidade de produzir densas populações. Quando esta espécie foi encontrada pela primeira vez na Argentina, em 1991, a densidade da população era de 5 organismos / m2. Em 2002, este número chegou a 150 mil organismos / m2. É, é muito mexilhão junto! 

E este é um dos motivos que tem dado dor de cabeça às companhias de abastecimento de água e usinas hidrelétricas. A larva de L. fortunei é planctônica (e por isso, muito pequena!!). Através delas ele consegue ultrapassar filtros e grades desses estabelecimentos e acaba se alojando em localidades onde o impacto da água não é tão severo. No caso das usinas hidroelétricas, são os trocadores de calor. Uma vez lá, eles começam a crescer sem parar, resultando nisso!



O que você vê aí é uma turbina de usina hidrelétrica infestada de mexilhões dourados! Já pensou? Pois é, com essa dispersão toda pela América do Sul, o mexilhão já chegou em grandes usinas como Itaipu, e à sistemas de várias companhias de abastecimento de água da Argentina. Os gastos econômicos que ele tem causado não têm sido desprezíveis!

Mas se um mexilhãozinho como este tem a capacidade de se reproduzir desta forma empatando o trabalho das usinas, já pensou o que ele pode fazer ao meio ambiente? Pense, uma vez introduzido em novas águas, ele rapidamente começa a se reproduzir, aderindo em qualquer superfície que 'vê' pela frente. Vários cientistas tem prestado atenção nele, e muitas mudanças nos ecossistemas onde ele se insere já foram noticiadas. O mexilhão dourado é considerado um engenheiro de ecossistemas. Isso significa que ele modifica os ambientes onde vive. Aqui nas águas sul americanas, suas densas populações têm diminuído os números de algumas populações artrópodes, uma vez que o mexilhão literalmente cresce em cima destes e os mata por asfixia. Por outro lado, sua farta presença tem aumentado substancialmente a população de certos peixes, uma vez que ele se tornou um novo, suculento e disponibilíssimo menu alimentar!

Não quero me alongar muito, porque sei que você tem outras coisas para ler/fazer, mas uma coisa preciso afirmar: todos os estudos considerando o mexilhão dourado um engenheiro de ecossistemas e analisando as modificações que ele tem causado em seu caminho de invasão confirmam; a presença de tal molusco diminui a biodiversidade das áreas invadidas. E você quer saber de uma coisa? A partir de Cáceres, seu ponto final de distribuição até então, ele só tem que percorrer em torno de 150 km até chegar ao rio Téles Pires, que por sua vez, se encontra com o Rio Tapajós, já pertencente a Bacia Amazônica. Isso. Ele está a 'um pulinho' de invadir águas amazônicas, águas essas que guardam a maior biodiversidade aquática do mundo. Do mundo inteiro!

E por essa razão, chegamos ao motivo do meu mestrado. Minha intenção, montando o quebra cabeça dos genes desta espécie, é entender melhor a biologia do mexilhão dourado. O que ele tem que o faz capaz de se estabelecer em rios tão distantes uns dos outros? Como é possível que ele tenha sobrevivido todo o caminho da Ásia até aqui? E que história é essa de sair se fixando em tudo quanto é superfície e criando aquelas populações imensas?

Se acharmos respostas para algumas dessas questões, é possível que encontremos a maneira de conter esta invasão.

Um estudo de montagem de quebra cabeças deste tipo já mostrou que os genomas e transcriptomas tem muito a acrescentar em lutas como esta. Recentemente foi publicado na Nature, revista científica de alta relevância, o genoma da ostra-do-pacífico, de nome científico Cassostrea gigas. Este outro molusco bivalve, parente do mexilhão dourado, também se adapta bem a diferentes ambientes aquáticos. Uma das características mais marcantes é sua resistência a longos períodos desabrigado da água, devido às marés. Pois bem, os cientistas chineses estudando este animal já notaram que ele possui uma grande quantidade de proteínas de choque térmico, proteínas estas responsáveis por manter o metabolismo do organismo saudável em situações de estresse. Repare, enquanto os seres humanos possuem apenas 17 dessas proteínas, esses bivalves possuem 39.

Interessante, não? E é este tipo de investigação que eu e meu grupo de trabalho, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, estamos fazendo também para o mexilhão dourado. Qual tipo de proteínas ele possui que podem estar ajudando nesta atividade invasora? E melhor, quais dessas proteínas, essenciais para sua vida, podem ser alvos de estratégias de controle dessa invasão?

Estamos em reta final na busca por respostas à essas perguntas. Além disso, gostaria de dedicar três linhas deste post à prosear sobre a maravilha da biologia destes bivalves. Animais tão simples como a ostra-do-pacífico e o mexilhão dourado capazes de tanto! A ostra, que comemos rotineiramente e nem se quer a admiramos um minuto por poder passar tanto tempo fora da água (Quanto tempo mesmo que os seres humanos conseguem ficar sem respirar? 5 minutos, no máximo?). E o mexilhão dourado, desbravando águas nunca antes exploradas com tanto sucesso! 

Já chegamos a lua, mas sabemos tão pouco sobre organismos que estão tão intimamente relacionados conosco em nosso dia-a-dia! Neste momento, pelo menos, nossos cientistas e nossa bela ciência precisam ter humildade suficiente e admitir com entusiamo: temos muito ainda o que aprender!




quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Escrevo para vencer a morte


Penso que o leitor deve ser familiarizado com a teoria da evolução das espécies vinda da ideia de seleção natural postulada por Charles Darwin, certo? Em termos muito gerais, de acordo com tal teoria, todos os organismos vivos atuais possuem um mesmo ancestral comum. Ao longo de diversas gerações, os organismos vivos foram evoluindo (não no sentido de se tornar melhor, mas sim de tornar-se mais derivado) e dando origem a novos grupos de organismos. Alguns desses sumiram para sempre, e outros vivem no Planeta Terra atualmente, como nós, os seres humanos, as diferentes espécies de aves, diferentes plantas e etc. A diversidade de seres vivos atuais é gigantesca e o grau de parentesco entre muitos deles é bastante longínquo. Os fungos por exemplo, estão em um ramo da árvore da vida bastante distante dos seres humanos. A árvore da vida possui diversos ramos diferentes.


Embora a seleção natural seja atualmente a teoria mais popular entre os biólogos para explicar a evolução das espécies, o enfoque e o ângulo pelo qual se olha para ela diverge entre os pesquisadores. Em seu interessantíssimo livro intitulado O gene egoísta, Richard Dawkins defende a ideia de que o elemento sobre o qual a seleção natural atua é o gene. Desta forma, os genes mais bem adaptados para determinada situação serão passados adiante e prevalecerão no pool gênico uma vez que, devido a sua boa adaptação, favorecem a vida de sua 'máquina de sobrevivência' (ou, simplificadamente, do indivíduo do qual fazem parte). Eles serão passados adiante justamente porque as 'máquinas de sobrevivência' que os possuírem terão uma vantagem na vida e muito provavelmente reproduzirão mais do que as 'máquinas de sobrevivência' que não possuírem àquele gene.

Mas além da conclusão lógica de que os genes mais bem adaptados serão passados para a frente pela reprodução, Dawkins intitula sua leitura de o gene egoísta justamente porque defende que o gene está interessado única e exclusivamente em sobreviver. E "pensa" só em si; não está interessado no bem da espécie onde está presente ou mesmo do indivíduo. Esta forma egoísta de ser do gene por fim, leva as 'máquinas de sobrevivência' a terem comportamentos interessantes, que estão representados no comportamento das diversas espécies vivas presentes hoje no planeta. Para maiores detalhes sobre a interessante teoria, recomendo fortemente a leitura do livro!

Mas, além de postular o gene egoísta, Dawkins lança olhar para um elemento evolutivo que se formou a partir da capacidade cognitiva do ser humano. Para o autor, a inteligência do bicho homem possibilitou o surgimento de um outro elemento de evolução; os chamados memes. Os memes são pequenas entidades inseridas a partir da cultura humana; como a música, a escrita, as artes em geral. Entenda, Dawkins não deixa de considerar o homem como mais uma espécie de animal qualquer (o que realmente somos!), apenas atenta para o fato de que o comportamento do homem não é estritamente guiado pelos genes egoístas que ele carrega, mas também pelos memes, pela cultura!

A partir disso, o autor faz uma análise interessante sobre o ser humano: se você se reproduzir, fará com que seus genes continuem presentes e passem às gerações futuras mesmo quando você morrer. Mas a medida que seus descendes vão se reproduzindo com outras pessoas, a quantidade de genes seus que serão passados a diante irá começar a diminuir, de forma que, depois de algumas gerações, a maioria dos seus genes não estará mais sendo passado adiante. Porém, os memes, ao contrário, podem durar séculos! (Com o advento da internet então, quem sabe pra sempre!). Você já pensou sobre isso? Provavelmente nenhum gene pertencente a Platão deve existir neste Planeta presente nos filhos de seus descendentes, mas seus memes, como muitos de seus diálogos, permanecem conosco até hoje!

Algo muito interessante a se concluir dessa história toda é que o ser humano, por mais egoísta que sejam seus genes, tem a possibilidade de ser altruísta a partir dos memes que produz e deixa para as gerações futuras (é óbvio que sempre acontece de se fixar um meme cretino como "Gustavo Lima e você", mas o que se há de fazer!)! Apesar de nosso instinto biológico nos impelir a tomar atitudes sempre em favor da sobrevivência egoísta de nossos genes, nossa capacidade cognitiva nos permite pensar no bem coletivo, por mais desvantajoso que aquilo posso ser para nós mesmos.

É com esse pensamento que escrevo. Escrevo para assegurar a fixação do meme das boas ideias, o meme do pensamento livre, o meme da tolerância às diferenças. Escrevo para vencer a morte.




Restou alguma dúvida ou algum questionamento que você não quer deixar no comentário aberto do blog? Escreva para improvisocientifico@gmail.com 



domingo, 12 de agosto de 2012

Curiosity, a fome no mundo e o voto.


Na última segunda feira (6 de agosto de 2012) pousou em segurança em Marte o incrível robô Curiosity. Sua viagem de 563 milhões de quilômetros ao Planeta Vermelho se iniciou em 26 de Novembro de 2011, as 10 horas da manhã. E foi bem sucedida! Sua missão agora é ajudar os cientistas da NASA (e do mundo inteiro) a elucidar algumas dúvidas: como é o clima de Marte e sua geologia? Será que este planeta poderia suportar a vida como a conhecemos? O robô inclusive já enviou uma foto para nós terráqueos nos maravilharmos! Incrível, não?

Bom, para algumas pessoas parece que não. Durante essa mesma semana, expostas numa das maiores redes sociais do mundo, o Facebook, vi mensagens de pessoas questionando se o dinheiro empregado na missão Curiosity não teria sido melhor investido em combater a fome no mundo.



Posso dizer que entendo a linha de raciocínio das pessoas: num mundo tão cheio de injustiças, será que deveríamos mesmo voltar nossos olhos para um planeta a milhões de quilômetros de distância daqui? 

Minha resposta para essa questão é outra pergunta: será que o problema das injustiças do mundo está relacionado ao dinheiro gasto nas missões espaciais?

O fato é que enfrentamos realmente problemas de má gestão dos recursos gerados no planeta e há muitas más escolha de onde investir esses recursos! Mas uma coisa é certa; investimento em ciência, educação e tecnologia NÃO SÃO três dessas más escolhas!

Um outro fato que devemos sempre ter em mente é que os maiores problemas do planeta (Terra) são atualmente facilmente resolvíveis. Isso mesmo! Esqueça essa história de que a fome no mundo é culpa da falta de comida para todos. HÁ comida para alimentar todas as bocas, o problema é a distribuição! O problema é que o interesse maior é por vender a produção de alimentos, e não por alimentar! Por isso, esqueça essa história de que os cientistas precisam criar grãos que cresçam mais rápido para que todos possam comer! Bullshit!

A superpopulação. O que será que temos que fazer? Uma castração catastrófica nazista é a única solução? NÃO! Camisinha e educação sexual são as soluções! E adivinha só? Isso é barato de se fazer! Não precisamos de super fármacos dos super laboratórios! Precisamos de uma política de educação descente!

Mais uma vez, vou insistir com você leitor, que o melhor que podemos fazer é votar direito. Pode demorar um pouco, mas se insistirmos em votar nos políticos que mostram uma boa conduta, quem sabe com o tempo conseguiremos pensar em Brasília como sendo muito mais do que o local onde gastam nosso suado dinheiro em farras. 

Você já assistiu a esse vídeo? E conhece o ranking dos políticos (http://politicos.org.br/) ?




Dê uma checada lá antes das eleições este ano! Este site faz a pesquisa sobre a seriedade e o trabalho dos políticos por você. E os ranqueia do sentido do 'melhor' para o 'pior'. Dessa forma, se você encontrar políticos com pontuação baixa ou não-ranqueados, o conselho forte é para que você NÃO vote neles!

Finalmente, gostaria de terminar argumentando (em três linhas) em defesa da ciência. Não é maravilhoso que nós, esse bichinhos mamíferos do cérebro grande tenhamos conseguido fazer viajar e pousar um lindo robô em outro planeta? Pense nisso! E o que são os edifícios onde moramos, e a luz elétrica, o rádio e a internet! 

As crianças de barriga vazia ainda te incomodam? Bom, a mim também! Então vamos estudar, votar pra mudar, e quem sabe outro dia quando estivermos todos de barriga cheia, eu tente argumentar novamente em favor da curiosa Cursiosity!

".. You may sayI'm a dreamer. But I'm not only one. I hope some day you'll join us. And the world will be as one..."



sábado, 14 de julho de 2012

Você vai querer um físico no seu funeral!

Aqui vai uma tradução livre do excelente texto You want a physicist to speak at your funeral do jornalista estadunidense Aaron Freeman

"Você vai querer um físico no seu funeral. Você vai querer que ele explique aos seus familiares em luto sobre a lei da Conservação da energia, e então eles vão entender que sua energia não acabou quando você morreu. Você vai querer que o físico lembre a sua mãe soluçante sobre a primeira lei da termodinâmica; explicando que nenhuma energia é criada no universo, e nenhuma é destruída. Você vai querer que a sua mãe saiba que toda energia, cada vibração, cada Btu de calor, cada onda de cada partícula que constituía seu amado filho permanece com ela no mundo. Você vai querer que o físico lembre a seu triste pai que em meio a energia de todo o cosmos, você ainda existe.



Em um certo momento, você esperará que o físico desça do púlpito e caminhe em direção a seu cônjuge de coração partido, explicando a ele que todos os fótons que um dia saltaram do seu rosto, todas as partículas cujas trajetórias foram interrompidas pelo seu sorriso, ou pelo toque dos seus cabelos, centenas de trilhões de partículas que corriam por aí como crianças, tiveram seus caminhos modificados para sempre por sua causa. E quando o seu amor se atirar nos braços dos familiares procurando por conforto, que o físico explique que todos os fótons projetados de você foram reunidos no detector de partículas que são os olhos dele, e que esses fótons, criados dentro da constelação de neurônios eletromagneticamente carregados dele, existirão para sempre.

E o físico lembrará a todos que muito da nossa energia é perdida na forma de calor. (Enquanto ele explica isso, muitas pessoas estarão se abanando devido ao calor!) Então ele vai explicar que o calor que fluía através de você enquanto você vivia, ainda está aqui e é parte do todo que nós somos.

E você vai querer que o físico explique àqueles que te amaram que eles não precisam ter fé. Na verdade, eles não devem ter fé. Ele vai explicar que os cientistas conseguem medir e quantificar, e que eles já concluíram o quanto a lei da Conservação da energia é acurada, verificável e consistente através do tempo e espaço. Então a sua família procurará pelas evidências e ficará satisfeita ao descobrir que a ciência é sólida e que eles podem, portanto, sentir um conforto ao lembrar que a sua energia ainda está por aqui.

De acordo com a lei da Conversação da energia, nem um pouquinho se quer de você vai embora com a morte; você apenas passa a existir de uma forma menos organizada.

Amém."

O texto em inglês você pode encontrar aqui.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

A partícula de Deus


Nesta quarta feira, 4 de Julho de 2012, cientistas do Centro Europeu de Pesquisa Nuclear (CERN), anunciaram a descoberta de uma nova partícula subatômica que pode ser o tão procurado Bóson de Higgs. Conhecida como a "partícula de Deus", o Bóson de Higgs chamou a atenção do meu velho e amado pai, que veio me perguntar afinal de contas o que esse pedacinho de coisa tem de tão divino que mereça tal nome.

Há 13,7 bilhões de anos, no instante em que o Universo nasceu, a grandeza física a que chamamos massa ainda não existia. Este Universo ancião era formado por diversos tipos de partículas, como os bósons de Higgs, espalhados por todo lado. No entanto, em algum momento deste tempo passado, essas partículas elementares se uniram, e criaram o que podemos imaginar como sendo um 'óleo denso'. Explicando de forma simples, a partir deste óleo é que foi possível a criação da matéria. Sem os bósson de Higgs portanto, a matéria não existiria, uma vez que matéria é tudo que possui 'massa'.

Desta forma, de acordo com o mecanismo de Higgs, a partícula de Deus representa a chave para entendermos a origem da massa e do surgimento de outras partículas elementares. O modelo científico que previu sua existência foi desenvolvido em 1964 por três grupos de pesquisa independentes, mas acabou levando o nome do pesquisador britânico Peter Higgs (83) que atualmente tem sido considerado ao Prêmio Nobel de Física. 

      Peter Higgs, (nascido em 29 de maio de 1929), é um físico teórico britânico conhecido por sua proposta sobre quebra da simetria na teoria "eletrofraca", conhecida como mecanismo de Higgs, de 1960. Atualmente, Higgs é professor emérito da Universidade de Edimburgo.


Como os cientistas fazem para encontrar tal partícula? Eles aceleram pedaços de átomos, provocando colisões frontais entre eles. As pancadas são tão intensas que conseguem provocar explosões como as ocorridas no momento do Big Bang. No meio da força dessas explosões, devem aparecer bósons de Higgs soltos, recriando o cenário de 13,7 bilhões de anos, segundo a teoria. 

A máquina bilionária utilizada para recriar o Big Bang, o acelerador de partículas LHC, possui 27 km de comprimento e está enterrado sob a fronteira entre França e Suiça. O projeto desenvolvido pelo CERN, o maior laboratório de física de partículas do mundo, envolve pesquisadores de mais vinte países diferentes.

                                    Acelerador de partículas LHC (Large Hadron Collider) do maior
                                         laboratório de fisíca de partículas do mundo, o CERN.

O termo 'Partícula de Deus' veio quando o prêmio Nobel Leon Lederman resolveu escrever um livro sobre ela. Na verdade, a intenção inicial do pesquisador era apelidá-la de Goddam Particle (A partícula Amaldiçoada) demonstrando sua revolta com a dificuldade em encontrá-la. No entanto, os editores de seu livro não gostaram. Foi então que Lederman cunhou o apelido atual. Ele justificou o nome em seu livro, afirmando que a partícula " é tão central e importante para a física moderna, tão crucial para nosso entendimento da matéria, que pode merecer tal apelido". 





quarta-feira, 20 de junho de 2012

Em tempos de Rio + 20



Neste último domingo, como geralmente faço, fui correr na orla de Copacabana. Para mim, esse é um dos momentos mais especiais da semana; colocar o coração pra bater forte ouvindo boa música e apreciando a bela vista. No final, ainda sento por uns 20 minutos e fico a analisar a semana que passou, e a vida como um todo. Espetacularmente prazeroso!

Mas no último domingo algo além da vista me chamou atenção; era uma manifestação contra a corrupção. Estamos no meio da Rio +20, e o Rio de Janeiro está cheio de pessoas vindas de toda a parte. E neste dia a orla estava uma bagunça (mais do que em qualquer domingo normal). Um dos manifestantes, uma mulher, trazia uma faixa escrita: "Brasil, teu problema não é ambiental, é a corrupção!".

Não demorou muito até eu me afastar dos manifestantes, eu ia na direção oposta e eles eram apenas meia dúzia. Mas a frase daquela placa não me saia da cabeça, e incomodava.

Se pensarmos que vivemos num país onde nem todo mundo tem o que comer, parece um absurdo fazermos campanhas para salvar os pinguins ou as tartarugas, não é mesmo?

A grande questão é que tanto o problema das tartarugas quanto das pessoas que passam fome é exatamente o mesmo.



No momento em que você lê esse texto, muitas crianças no Brasil estão nascendo. São 321 bebês a cada hora. Um bebê a cada 11 segundos. Para onde vão todos esses brasileirinhos?
De acordo com dados do IBGE, 8,5% dos brasileiros vivem em estado de extrema pobreza. Ou seja, são 16 milhões de pessoas neste país vivendo sem satisfazer suas necessidades básicas; de higiene, educação e saúde.

Toda essa desigualdade é resultado de um longo processo histórico, que resultou em alta concentração da renda por poucos e em uma série de governos corruptos que não geriram os fundo públicos da maneira correta. Falta educação, distribuição de renda, saneamento básico, geração de empregos. Intrinsecamente ligado a tudo isso estão nosso problemas ambientais; contaminação dos corpos d'água, construção de usinas hidrelétricas dizimando a biodiversidade em favor da produção de mais energia, desmatamento ilegal impune. Toda essa situação é mantida pela manipulação de uma sociedade majoritariamente não instruída, que contribui para a manutenção perpétua desses governos corruptos com seus votos.

Como mudar esse quadro? Precisamos urgentemente gerir nossos recursos públicos de maneira apropriada. Para isso, você e eu devemos aprender a votar melhor. E votar! E cobrar por educação, por saúde, por segurança. Somente uma sociedade mais educada será capaz de reduzir drasticamente o tamanho de sua população. Isso mesmo! Parece clichê, mas não há muito para onde fugir.

No fim das contas, somente uma sociedade pensante será capaz de dar o devido valor a sua biodiversidade, será capaz de avaliar que não precisamos somente ir em busca de novas fontes de energia, precisamos gastar menos energia! Uma sociedade mais instruída terá menos filhos inesperados, contribuindo para a diminuição da pobreza e da miséria, aumentando a dignidade humana, e dando espaço para as pessoas entenderem que tanto seres humanos quanto tartarugas têm exatamente o mesmo valor como vida nesse planeta.


terça-feira, 5 de junho de 2012

Sopa de letrinhas: genomas



Falar um pouco sobre biologia molecular e genomas era algo que estava querendo fazer já há algum tempo. Porque sempre fico imaginando o que pessoas com ocupações diversas, que não a de cientista biomolecular (como talvez você leitor), que tem seus muitos afazeres diários e pouco tempo livre pra divagar, pensa sobre essa coisa toda de genômica.

Há pouco mais de 10 anos, quando os cientistas divulgaram o mapeamento completo do genoma humano, uma grande expectativa se formou. Esparava-se que a partir de então, fossemos nos tornar capazes de curar qualquer doença de origem genética, e que era somente uma questão de tempo até que mapeássemos nossa origem e entendêssemos completamente nossa história evolutiva.  

Bem, 10 anos depois, ainda não fomos capazes de alcançar todos esses feitos. Mas estamos progredindo! Continuamos tentando dar ordem a todo esse quebra-cabeças gigante que é o estudo dos genomas, e ao mesmo tempo em que a cada dia conseguimos juntar e dar sentido às algumas peças do canto, há ainda muita peça pra se pôr no lugar.





Meu projeto de mestrado, que estou desenvolvendo nesse exato momento, também é uma tentativa de dar melhor ordem à esse quebra-cabeça. Estou montando o transcriptoma (que representa um bom pedaço do genoma, porém é um pouco menos complexo) de dois invertebrados aquáticos. Mas pra que precisamos saber do genoma de invertebrados?

Apesar de para mim, o "saber por saber" e o "entender por paixão", já serem motivos fascinantes o suficiente, talvez pra você isso não baste. A grande questão é que eu posso ter vários outros motivos (e realmente os tenho e quem sabe eles se tornarão tema de um post desse blog no futuro?), mas há uma razão grandemente inspiradora: o conhecimento do genoma de organismos menos complexos (mas nem por isso pouco complexos) com certeza nos ajuda a montar e entender nossa própria história evolutiva!

Quando os cientistas terminaram seu trabalho com o genoma humano, eles perceberam que seria necessário muito mais do que pôr em sequencia aquelas quatro letrinhas A,C,T e G. Havia ali vários padrões desconhecidos, e sem os quais não conseguiríamos chegar a conclusões muito específicas sobre nossa biologia. E foi por isso que começamos a olhar mais de perto para a genética de organismos mais simples, como o de bactérias e leveduras (que tem sido modelos clássicos de estudo da biologia por décadas!). Talvez estes possuíssem também padrões mais simples em meio a toda aquela aleatoriedade de letrinhas, e nos dariam dicas sobre nossos próprios padrões. E isso se mostrou certo!

Atualmente, os sequenciadores de nova geração baratearam muito a prática do sequencimento de genomas. Desta forma, hoje em dia é possível sequenciar também o genoma de organismos que não são famosos modelos de estudo, como os meus invertebrados aquáticos, mas que são tão interessantes quanto! É importante entender que quanto mais genomas sequenciados e estudados de espécies que estão entre as bactérias e o homem na linhagem evolutiva, mais fácil se tornará entendermos nossa estrutura molecular e o quanto ela interfere em quem realmente somos. É como num desenho de um rosto que se faz em etapas: se você simplesmente desenhar um circulo, poderá concluir que aquele desenho é muita coisa. Um sol, uma bola de futebol. Mas se, aos poucos, você incluir círculos menores formando os olhos, um rabisco no centro, indicando o nariz e incluir por fim uma linha arredondada formando um sorriso, você estará cada dia mais próximo de entender que aquele é realmente o desenho de um rosto.

Não sabemos ainda o que podemos encontra no próximo monte de letrinhas que extraírmos de uma dessas maravilhosas máquinas de sequenciar, mas posso garantir pra você que estou doida para dar uma olhada.








quinta-feira, 31 de maio de 2012

A incerteza e a ciência do século XXI


Certo dia me deparei com um texto de Affonso Romano de Sant’ Anna intitulado Certas incertezas (que você pode encontrar aqui). Ele chegou até mim através de um curso de Filosofia da Ciência, oferecido pelo Instituto de Biofísica (IBCCF) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, local onde desenvolvo meu projeto de mestrado. Confesso que me fiz parte do corpo de estudantes que frequenta tal curso muito mais por amor e apreço a literatura, a filosofia e a abstração, do que por qualquer outro motivo. No entanto, considero como prerrogativa básica que, na busca por desenvolver uma ciência pouco enviesada e mais próxima da realidade, o cientista seja, antes de tudo, um pensador. Dessa forma, julgo extremamente positivo quando decidimos deixar, pelo menos por algum tempo, as bancadas de nossos laboratórios a fim de pensarmos as questões do mundo a partir de uma perspectiva filosófica.

Em seu texto, Sant’ Anna comenta como a ciência do século XX se estabeleceu a partir de um novo paradigma, em suas palavras, “o paradigma da incerteza, do acaso, da probabilidade e da relatividade”. Para este autor, essa nova forma de se pensar os fenômenos naturais, nos levou a conclusão de que, na realidade, não existem verdades absolutas; tudo seria aparência e interpretação, e estaríamos vivendo no “império do significante vazio”. 


Werner Heisenberg (1901 - 1976), físico alemão ganhador do Prêmio Nobel de Física. Postulou, em 1927, o Princípio da Incerteza afirmando ser impossível determinar, com precisão absoluta, a posição ou o momento (velocidade) de um elétron.


Gostaria de argumentar aqui, brevemente, o porque discordo das conclusões de Sant’Anna dissertando sobre o quanto, na verdade, penso que a admissão da incerteza presta um favor a ciência.

A teoria da relatividade de Albert Einstein, a descoberta da mecânica quântica e do Princípio da incerteza de Heisenberg trouxeram ao pensamento do século XX a noção de que os fenômenos naturais não são estáticos, previsíveis e unicamente governados por leis universais. Entretanto, isso não significa dizer que, em virtude de tais postulados, nada mais faça sentido. Heisenberg defendeu a impossibilidade de se prever com precisão e simultaneamente a velocidade e a posição de um elétron, mas fez isso baseando-se no método científico, que é racional e cartesiano.

Ao afirmar que os meios empregados para medir o comportamento do elétron terminavam por influenciar seu comportamento, Heisenberg não descredibilizou a experimentação científica baseada no método, apenas valeu-se de um pressuposto básico e insubstituível deste; o de que devemos sempre levar em consideração a margem de erro de nossas inferências. Como muito bem abordado pelo astrofísico estadunidense Carl Sagan em seu livro O Mundo Assombrado pelos demônios, a  margem de erro é uma auto-avaliação visível e disseminada da confiabilidade de nosso conhecimento. E o sucesso da ciência está justamente neste mecanismo embutido de correção de erros. O nosso mecanismo de detecção da verdade, o método científico, deve ser refinado a cada dia, a cada nova geração de cientistas. Somente dessa forma é que nos aproximamos cada vez mais da verdade. E é justamente por isso, por a ciência se basear em pressupostos testáveis e confiáveis e por levar em consideração a probabilidade do erro, que foi possível a Heisenberg certificar a incerteza.

Uma vez que deparamo-nos com o fato de que os fenômenos naturais estudados pela ciência nem sempre respeitam a racionalidade e as teorias científicas, fica evidente, a meu ver, que uma visão aberta à novas idéias, combinada com o mais rigoroso exame cético de todas elas, deve ser o pensamento científico norteador do século XXI. O cientista que empregar tal forma de pensar certamente contribuirá para uma ciência mais abrangente, a medida que nos aproximamos cada vez mais da realidade.




sexta-feira, 18 de maio de 2012

Frustração


Por razões com as quais não concordo, porém respeito, o texto "A incerteza e a ciência do século XXI" foi tirado do ar e permanecerá assim por algumas semanas (já voltou!!!). Peço desculpas a você amigo próximo, a quem recomendei esse blog, e também para você amigo não tão próximo, navegador da web que chegou até ele a partir de outras fontes, por precisar fazer isso.

Porém, na tentativa de não desapontá-lo tanto assim, publico hoje aqui um texto que escrevi há alguns meses, e que já foi publicado no blog comunitário do Laboratório de Biologia Molecular Ambiental (BioMA), do Instituto de Biofísica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, local onde desenvolvo meu projeto de mestrado. Se você quiser dar uma checada lá de vez em quando posso quase garantir que não vai se arrepender.

Fique agora com o texto sobre vegetarianismo e boa leitura!



COMER OU NÃO COMER CARNE?

A visão de um biólogo sobre uma das várias facetas do vegetarianismo.   

Nos últimos tempos tenho pensado muito sobre vegetarianismo. Uma de minhas melhores amigas, com quem, via de regra, tenho vários brainstorms construtivos, parou de comer carne. Quando nossas vidas nos permitem, sempre discutimos uma coisa ou outra sobre o assunto.





O último material analisado foi uma palestra de Gary Yourofsky, um estadunidense ativista pelos direitos dos animais (disponível no YouTube; http://www.youtube.com/watch?v=8bH-doHSY_o).  Em uma hora e dez minutos de palestra, Yourofsky discursa sobre os vários aspectos que o levam a acreditar fielmente que comer carne é um crime; primeiro contra os outros animais, e segundo, contra nós mesmos, uma vez que, na opinião do palestrante, comer carne e seus derivados (queijo, leite e ovos) faz mal para a saúde humana.

Dos vários pontos levantados por Yourofsky, não podia ter deixado de me incomodar e chamar minha atenção, como bióloga que sou, a declaração de que os seres humanos são animais 100% herbívoros. De acordo com Yourofsky, o comprimento de nossos intestinos é cerca de 7 a 13 vezes o comprimento de nosso tronco, o mesmo padrão de comprimento que é encontrado em outros herbívoros. Temos longos intestinos. Por outro lado, o intestino dos “carnívoros verdadeiros” como hienas, tigres e leões, seria apenas de 3 a 6 vezes o tamanho de seus troncos. Isso seria uma evidência forte de que não nascemos para comer carne.

Mas será que tal evidência sustenta tal afirmação?

Com esta questão rondando meus pensamentos por alguns dias, resolvi ir atrás de trabalhos científicos que abordassem o assunto; procurava eu por artigos que tratassem da evolução do homem e sua relação, ou não, com o hábito de comer carne. Eis que encontro um trabalho de 2003, publicado no The Journal of Nutrition tratando de tal tema. A autora, Katherine Milton discursa sobre as diferenças do tamanho dos intestinos de humanos e dos grandes símios (em inglês, great apes, os orangotangos, gorilas e chimpanzés), que são os parentes vivos mais próximos do homem moderno atual e tem uma dieta marcadamente herbívora. De acordo com ela, em humanos, mais da metade (56%) do volume total do intestino é constituída pelo chamado pequeno intestino enquanto que nos símios a parte maior seria o cólon (45%). Estas diferenças evidenciariam especializações distintas no que diz respeito à dieta: uma maior dominância de cólon, como presente nos símios, reflete uma dieta de baixa qualidade nutricional, constituída basicamente por plantas. Por outro lado, animais com um organismo dominado pelo pequeno intestino, como os seres humanos, que é o principal local de digestão e absorção de alimentos, sugere uma adaptação a alimentos de alta qualidade nutricional, como carnes.

Dá pra ficar com a pulga atrás da orelha, certo? Mas não vamos tomar nenhuma decisão precipitada, voltemos ao vídeo.

Logo depois de comentar sobre o intestino dos humanos, Yourofsky sugere um desafio: segundo ele, se somos realmente carnívoros, deveríamos ser capazes de caçar (isso mesmo, caçar) um esquilo pelas ruas, matá-lo e comê-lo com nossas próprias mãos, sem o uso de nenhuma ferramenta adicional. Depois dessa afirmação fiquei ainda mais desconfortável com o vídeo e pensei: ora, mas se temos um cérebro desse tamanho não deveríamos usá-lo para alguma coisa? Não poderia nossa inteligência substituir a destreza de garras e dentes imensos pela habilidade de construir ferramentas e armas para a caça? Qual foi minha felicidade quando, com o artigo de Katherine Milton, foi exatamente uma explicação similar a esta o que encontrei: segundo Milton, a primeira ferramenta de pedra em associação com um hominídeo é encontrada com os restos fossilizados do Homo habilis, um dos primeiros pertencentes às espécies do gênero Homo. Esta associação indica que, pelo menos a partir de então, a tecnologia da ferramenta de pedra começa a desempenhar um importante papel na vida desses hominídeos facilitando a alimentação por carne. Esta mudança de enfoque na dieta, empurrada fortemente pelo aprendizado do uso da tecnologia, foi gradualmente refletindo-se no tamanho do cérebro humano (gerando um aumento substancial) e no formato do intestino (aumentando a proporção do pequeno intestino). Sem o rotineiro acesso a carne e seus derivados, é improvável que os hominídeos em evolução chegassem a atingir um tamanho de cérebro tão notoriamente grande e complexo enquanto ao mesmo tempo evoluíam como grandes e ativos primatas sociais.

E agora? Fica a pergunta: será que todas as pesquisas científicas (que são muitas) relacionando o hábito de comer carne à evolução do homem estão enganadas? Sim, essa pode ser sim uma resposta. Mas pensemos por um outro lado: será que nossa vontade de parar o abuso aos animais nas fazendas de criação e abatedouros não está nos levando a tirar conclusões que são biologicamente equivocadas para que consigamos ganhar mais partidários para nossa causa?

Particularmente, também concordo que o modo de produção de carne atual talvez seja reflexo de uma sociedade doente, onde compra e venda são mais importantes e passam por cima dos direitos e do bem-estar animal. Mas será que comer carne não faz realmente parte dos hábitos do bicho homem? Evidências evolutivas mostram que faz parte. Por favor, não confundamos alhos com bugalhos (ou comedores de carnes, com assassinos cruéis).

Referência:
Katharine Milton. 2006. The Critical Role Played by Animal Source Foods in Human (Homo) Evolution. The Journal of Nutrition. vol133, no 11 (38865 –  38925).