segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Sobre beagles e imperfeição científica

Já li vários textos muito bons sobre a polêmica do rapto dos cachorros beagles do Instituto Royal, e eu podia só vir aqui e colar vários links para esses textos. Mas resolvi acrescentar apenas uma questão que parece que as pessoas não entendem. ANTES DE VOCÊ PENSAR QUE É CRUEL FAZER TESTES EM BEAGLES EU TE DIGO: O CIENTISTA QUE FAZ JÁ PENSOU NISSO.

Primeiro gostaria de afirmar o quanto acho válida e sinto orgulho dessa discussão toda: o mundo já passou por épocas tão obscuras, onde os seres humanos eram diferenciados uns dos outros por serem negros ou brancos, ciganos, católicos ou judeus. Isso levou a genocídios muito bem conhecidos por nós, como durante a escravidão na colonização das Américas e o holocausto. Mas isso mudou: junto com questões político-sociais, também a ciência, ao final do século XX e início do século XXI provou, a partir do sequenciamento e montagem do genoma humano, que somos todos iguais! Que não há diferença alguma na nossa essência. Pois bem. A partir de toda essa revolução para a dignidade humana terminamos aqui hoje: discutindo a vida de beagles. Eles são cachorros. Isso não é demais? Estamos nos aperfeiçoando como seres humanos. Estamos indo em direção ao mundo mais ideal... Fico muito feliz!

A partir disso, infelizmente, tenho uma má notícia: não temos atualmente maneira alguma de substituirmos 100% das experimentações animais. Não temos. Pode acreditar em mim. Eu não sou jornalista. Sou cientista. Bióloga. Trabalho na área.

Isso, é claro, não significa que tenhamos que ficar de braços cruzados. Mas posso te garantir algumas coisas: quando tu sentires dor ao ver um Beagle sofrer, UM CIENTISTA ANTES DE TI JÁ SENTIU PIOR. Quando pensares que podemos testar in vitro, inventar um jeito novo de fazer, UM CIENTISTA JÁ PENSOU ANTES DE TI EM TUDO ISSO, E ELE JÁ ESTÁ TESTANTO! Quando pensares que a questão é dinheiro, que usar protótipos é caro demais, eu te garanto: BIOTÉRIOS ANIMAIS CUSTAM MUITO DINHEIRO, E OS PROTÓTIPOS NÃO SUBSTITUEM EXPERIMENTAÇÃO ANIMAL. Infelizmente.

Infelizmente. É o que pensam todos os cientistas que eu conheço que trabalham com animais quando pensam sobre o assunto. Todos.

Eu, por exemplo, estou escrevendo esse texto porque eu me importo. Precisava me posicionar.

Entendam uma coisa: os cientistas são seres humanos, não estou dizendo que a ciência não pode ser usada para a maldade. Estão aí os exemplos de ciência nazista que não nos deixam enganar. Mas posso garantir outra coisa: a ESMAGADORA maioria da ciência feita no mundo até hoje já salvou MUITO mais vidas do que as guerras tiraram, ou do que as mortes de animais que ocorrem hoje em dia. Para dar dois exemplos devastadores: vacinas e antibióticos. Pronto. A varíola não existe mais no mundo, ninguém morre de uma infecção bacteriana qualquer.

Mas não digo, e nunca direi, para deixarmos de buscar o mundo ideal. Primeiro: vamos todos virar vegetarianos (todo mundo que está xingando os cientistas já é, certo? Se não, há uma séria disparidade de ideias aí). Estou falando sério. Ou pelo menos, vamos parar de jogar fora aquele pedaço de carne duro que ficou no prato, vamos parar de consumir carne todos os dias... Há vários problemas na indústria de carnes e laticínios, e o pior deles é sustentado pela nossa vontade de não comer aquela carnezinha ‘ruim’ (ao mesmo tempo que milhares de pessoas morrem de fome, e toneladas de carne são jogadas fora todos os dias).

Mas pra finalizar e dar minha contribuição, dou uma dica para os não-cientistas. Se quiserem protestar com razão perante os cientistas, pressionem para que eles parem de fazer tanta pesquisa repetitiva. Porque isso de fato acontece: testes da mesma droga em modelos muito parecidos, concentrações que nunca vão ser usadas e etc. Ou mesmo, para que aulas de fisiologia sejam gravadas, e os vídeos transmitidos. 

Estou com vocês nessa. A ciência, assim como qualquer outro tópico desenvolvido através do homem, tem suas falhas. E precisamos ir atrás delas para corrigi-las. Precisamos de reformas (assim como nossos sistemas políticos e sociais). Mas isso já é história para um outro post, um outro dia...