segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Com quantas letras A,C,T,G se escreve um genoma de mexilhão?

O mexilhão dourado é uma praga. E nós queremos estudar a sua genética para entendê-lo e combatê-lo. Desde o fim do financiamento coletivo, onde arrecadamos mais de R$40 mil, estamos fazendo isso!


Todo mundo já sabe que o DNA é o código da vida presente em todos os seres vivos: desde os vírus e bactérias até os seres humanos (com a exceção de alguns vírus, que tem RNA como material genético). Esse código é formado essencialmente pela sucessão de quatro letrinhas que formam pares e são na verdade a representação simplificada de nucleotídeos: os A,C,T e Gs do código genético.

Nessas letrinhas está contida toda a informação necessária para a construção e processamento das proteínas, que são os blocos de construção do nosso corpo; são os nossos tijolos. Nem todo o DNA é formado de tijolos, na verdade, eles representam apenas uma pequena porção de todo o código. Tem muito cimento codificado no DNA também, que auxilia na estruturação de todos esses tijolos. E muito DNA ainda não possui função esclarecida: talvez seja apenas a nossa ciência ignorante que não saiba para o que ele serve, mas ele também pode não servir pra nada!

De qualquer forma, o primeiro passo para estudar todas as letrinhas do genoma de uma determinada espécie, no nosso caso do mexilhão dourado, é estimar quantas elas são: quantas letrinhas em sucessão presentes nos diversos cromossomos da espécie são necessárias para construir um mexilhão dourado?

Uma forma científica de fazer isso é comparando a quantidade de DNA presente no núcleo do mexilhão com a quantidade de DNA presente no núcleo das células de outras espécies as quais já conhecemos o tamanho do genoma, por exemplo, os seres humanos.

E foi exatamente esse experimento que desenvolvemos: através de várias técnicas de biologia molecular nós coramos o material nuclear de ambas as espécies, mexilhão dourado e humanos, e um instrumento chamado citômetro de fluxo mediu a fluorescência do corante que tingiu o DNA celular. No núcleo da célula este corante se liga apenas ao DNA e proporcionalmente, dessa forma, o sinal da fluorescência é confiável (se você for cientista e quiser detalhes do protocolo, acesse nosso protocolo online em http://goo.gl/9eulBB).

Nós já sabemos que o genoma humano possui 3 bilhões de letrinhas. O pico de fluorescência do genoma do mexilhão dourado é 3,8 vezes menor que o pico de fluorescência das células humanas. Isso significa que o genoma de L. fortunei é 3,8 vezes menor que o dos humanos e possui em torno de 800 milhões de letrinhas! É letrinha pra caramba!

Como podemos ver, o genoma do mexilhão dourado é muito menor que o humano. Parece lógico, não é? Uma vez que os seres humanos são mais derivados (não é complexo, é derivado o termo correto!) que os mexilhões! Mas não é tão lógico assim não: depois que muitos genomas foram sequenciados ficou claro que o tamanho do genoma não está relacionado à complexidade do organismo. Por exemplo, o maior genoma conhecido na natureza pertence a uma planta, chamada Paris japonica que possui 15% de DNA a mais que o antigo recordista, que adivinha quem era? Um peixe! Nada de ser humano! (reportagem: http://goo.gl/CDiIDR).
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Como falei anteriormente, os genomas são uma mistura de produtores de cimento, tijolos, argamassa, rejunte e todos os ingredientes necessários para se fazer uma casa. Mas no fim das contas, somente mudando a proporção desses ingredientes, não necessariamente adicionando ingredientes mais requintados, conseguimos construir muitas casas diferentes. E é por isso que o tamanho do genoma não tem necessariamente relação com sua complexidade. O que influencia na complexidade é o modo como cada genoma se expressa para formar cada espécie diferente.

Agora que já determinamos que precisamos montar 800 milhões de letrinhas para formar um genoma, temos muito trabalho pela frente! Vamos usar o dinheiro arrecado com o financiamento no catarse para fazer o sequenciamento; determinar a sucessão dessas letrinhas. Após isto, a bioinformática entra em cena e montaremos os genes que serão nomeados em homenagem aos colaboradores! Mexilhão dourado, você não perde por esperar: vamos desvendar o seu código!!


Esta figura mostra a dificuldade que os cientistas tiveram, e continuam tendo, para decifrar os genomas. Sequenciar as letrinhas é só a primeira parte, o mais desafiador é montar e entender as proporções dos diferentes ingredientes que formam a casa de cada espécie!