segunda-feira, 15 de junho de 2015

Resposta às indagações de um estudante: a vida que vale a pena ser vivida.

Dias atrás recebi um e-mail de um estudante do terceiro ano do ensino médio, meu conterrâneo da cidade de Criciúma em SC, me contando que gostaria de prestar vestibular para biologia no final do ano, mas ainda tinha algumas dúvidas sobre se teria escolhido a profissão certa. Indagou se poderia me fazer algumas perguntas sobre a profissão, se eu poderia dar a minha opinião sobre o tema!

Ora, é claro que eu posso falar um pouco, e fico contente que confiem na minha experiência. No entanto, logo afirmo que meu caminho na biologia é único, individual, não tão longo e, por todas essas razões, limitado. Assim como o de todos os biólogos! Além de tudo, a minha perspectiva sobre a vida é sempre um pouco filosófica. Por isso, o conselho número um que eu posso e gostaria de dar é: não siga ao pé da letra os conselhos de ninguém! Conheça-se: conheça os seus desejos, os seus anseios, e os seus valores! Se você tiver o conhecimento de si mesmo, e a humildade e maturidade para saber ouvir os outros, vai tomar decisões acertadas na vida na maior parte dos casos (mesmo que em certos momentos o senso comum diga que você deveria seguir em outra direção!).
Então vamos às perguntas e às minhas respostas:

1-) O que tem de negativo e de apaixonante que me faria desistir ou seguir a carreira? Como é realmente o dia a dia de um biólogo?

 Pois bem. O biólogo é um profissional bem diversificado, e a rotina de diferentes biólogos vai variar tremendamente. Uns trabalham em ONGs de preservação da biodiversidade, outros lecionam biologia nas escolas de ensino fundamental e médio. Outros biólogos optam por seguir carreira de pesquisador e professor do ensino superior, e para isso continuam sua formação acadêmia, fazendo mestrado e doutorado, por volta de 7 ou 8 anos após o fim da graduação. Encontrei esse post interessante que menciona salários e distingue o biólogo bacharel do licenciado. Recomendo a leitura para ter um panorama mais técnico sobre o assunto. Link aqui de novo: http://goo.gl/eNxieA 

Um dos pontos mais negativos, ao meu ver, é a falta de valorização do profissional biólogo em termos de salário. Tanto para professores do ensino básico e médio, quanto para biólogos sem nível de pós-graduação, os salários podem ser bem desvalorizados (você encontra comentários sobre isso no mesmo post indicado à cima). A desvalorização do professor não é privilégio único dos professores de biologia, infelizmente. A situação desse profissional é crítica no país há muito tempo. Quando à desvalorização do trabalho pela preservação da biodiversidade, essa está muito ligada ao modelo econômico desenvolvimentista que ainda empregamos. Um exemplo: na última entrevista da presidente Dilma ao Jô Soares, ouvimos ela afirmar várias vezes que "não controla a seca", e por isso não controla os gastos econômicos gerados por ela. Ora, acho que ela anda ouvindo pouco alguns cientistas do país, como Antônio Nobre:







Cada vez mais as pesquisas científicas demonstram a relação direta da presença da densa floresta amazônica com os níveis de chuva no sudeste. Sem floresta não tem água. Quanto menos combater o desmatamento da amazônia, mais problemas com a seca ela terá durante o seu governo. 

Dessa forma: um dos pontos mais negativos da profissão de biólogo é trabalharmos num mundo ainda muito mal informado, e que por isso não valoriza e possibilita o trabalho pleno do biólogo em pró da preservação da biodiversidade; outras formas de vida que não incluem só a vida humana.

Mas é também nessa dificuldade que se encontra uma das grandes graças da biologia: o seu poder educacional. Há muito o que se esclarecer sobre desenvolvimento sustentável, e o biólogo tem papel decisivo nesse processo educativo.  E isso pode ser bem emocionante!

 3-) E o que é investido tem retorno?

 Minha resposta para essa pergunta só pode ser filosófica: o que você considera retorno

Sério. Estou perguntando isso mesmo! 


Há de se pensar o que se quer da vida! Dou meu exemplo pessoal: sou catarinense e faço doutorado em Biofísica na Universidade Federal do Rio de Janeiro. No momento estou na Alemanha, onde ficarei por um ano trabalhando em um laboratório de biologia computacional, fazendo meu doutorado sanduíche. Cursei biologia na Ilha da Magia em Florianópolis, e quando o curso acabou me mudei para o RJ. Hoje estou na Alemanha, e durante minha vida acadêmica já passei 11 meses na Inglaterra e 2 meses na Itália. Todas essas minhas viagens têm sido muito felizes e produtivas e, pra mim, têm valido muito a pena: porque valorizo minha carreia - sinto empolgação no trabalho a cada dia - e essas viagens sempre possibilitam que a qualidade do meu trabalho de pesquisa aumente. Porque valorizo viver novas experiências, conhecer culturas diferentes. Valorizo aprender que a forma como vejo o que seria "uma vida boa" não é a mesma forma que pessoas em outros lugares do mundo veem. Todas essas experiências me tornam uma cientista e um ser humano mais completo, mais humilde, tolerante com as diferenças. Só que toda essa mudança pra lá e pra cá no mundo tem seu lado negativo: a distância da família e dos amigos, do que nos é familiar no nosso lugar de origem, e das coisas que só conseguimos fazer lá e em nenhum outro lugar. Além disso, uma vida de pós-graduando com dedicação plena no Brasil significa viver pelo menos 6 anos com bolsa de estudos: sem férias, sem direitos, sem contribuição para a aposentadoria. A Prof. Suzana Herculano tem um texto bastante realista sobre essa situação, e eu recomento a leitura. Aqui.

Dessa forma, vale você pensar o que significa retorno para você. No meu caso, não consigo pensar em sacrificar meu dia a dia como doutoranda fazendo ciência, como educadora e escritora, pela segurança de um emprego mais estável, mas também mais mecânico. Decidi, e decido a cada dia (pois recalculo minha rota constantemente) correr o risco da alta competitividade por uma vaga no mundo acadêmico após o doutorado, por acreditar que uma vida como cientista e educadora na universidade me fará mais contente.

O que faz você feliz? 

Certamente você ainda é bastante jovem e tem muito a aprender. Assim como eu (e qualquer pessoa que tenha até por volta de uns 90 anos.. de repente um pouquinho mais!). E como essa nossa vida é muito curta e preciosa, recomendo que você comece a pensar nisso o quanto antes! Uma das TED talks mais magníficas dos últimos tempos recomendada para pessoas jovens é essa: Why 30 is not the new 20! 








Recomendo! Se você não for ler nenhum dos outros textos que recomendei ao longo do post, pelo menos assista à essa TED Talk!!!


Recomendo também uma iniciação em filosofia LEVÍSSIMA, livro do Prof. Clóvis de Barros Filho. Não há academicismos dentro do texto, é leitura leve. O livro chama-se A vida que vale a pena ser vivida.


Espero que eu tenha ajudado. (Ou só compliquei mais ainda?)Termino com uma frase magnífica que, pra mim, defini felicidade: 


 "I don't want to live any other life apart from the one I'm living." - definition of happiness.







quinta-feira, 4 de junho de 2015

Letrinhas em movimento: como anda o sequenciamento do genoma do mexilhão dourado?

O mexilhão dourado está na Alemanha!

Não, não se assuste! Isso não significa dizer que ele invadiu águas europeias!

Ufa!

O que eu quis dizer é que o projeto do sequenciamento do genoma do mexilhão dourado começou uma colaboração com um instituto de pesquisa alemão, e por isso as letrinhas A, C, T, G do genoma do mexilhão dourado andam passeando pelo hard drive e pela memória ram de super computadores alemães...

Eu, Marcela, estou fazendo um ano de doutorado sanduíche, com bolsa da CAPES, em um instituto de pesquisa em Berlim chamado Leibniz Institute for Zoo and Wild Life Research (IZW), e continuo a montagem do genoma do mexilhão dourado dentro de um núcleo de bioinformática conhecido como Berlin Center for Genomics in Biodiversity Research (BeGenDiv). Essa sou eu por aquihttp://goo.gl/WAqdei 

O IZW e o BeGenDiv produzem ciência voltada para o estudo do comportamento e da genética animal, com fins de preservação da vida selvagem, e das espécies ameaçadas de extinção. E também, como no caso do mexilhão dourado, estudam a genética de espécies que ameaçam a diversidade e a vida selvagem!

Aqui na Alemanha eu sou orientada pela Dr. Camila Mazzoni, que está trazendo sua expertise em anotação de genes para o projeto do genoma do mexilhão dourado.

Mas o que significa anotação de genes?

O sequenciamento e a montagem de um genoma envolvem várias etapas. É preciso:

1-) Coletar o animal e extrair o seu DNA - já fizemos essa parte no Brasil!

2-) Depois, precisamos inserir esse DNA numa máquina de sequenciamento de letrinhas. Para que as letrinhas do genoma sejam geradas pela máquina, é preciso comprar reagentes químicos um tanto caros, e foi aqui que investimos uma parte do nosso dinheiro de financiamento, que inclui o nosso crowdfunding! Gastamos em torno de R$ 42.600,00 para gerar as sequências genéticas do mexilhão (as letrinhas!) em dois diferentes centros de sequenciamento: um deles na UNESP de Jaboticabal, e o outro na Itália na cidade de Perugia, no chamado Polo d'Innovazione di Genomica, Genetica e Biologia (Polo GGB)*. 

Letrinhas caras essas, né? Mas o que a gente faz com elas agora?

3-) É preciso montar o genoma. O genoma do mexilhão dourado é formado por mais ou menos 800 milhões de letrinhas A,C,T,G seguidas. Mas quando elas são geradas pela máquina de sequênciamento, essas letrinhas não saem de lá compriiiiiiiiidas já formando longos fragmentos até chegar aos 800 milhões necessários. Na verdade, as chamadas reads (ou sequências) que são geradas pelo sequenciador são bem curtas: cada read é composta de mais ou menos 100 letras A,C,T,G! Várias e várias dessas reads são geradas pelo sequenciador de genomas. Então você imagina: é preciso pegar todas as sequências de 100 letrinhas e dar sentido à elas, até que elas formem a ordem correta das 800 milhões que compõe o genoma completo do mexilhão! É como um quebra cabeça com muitas peças embaralhadas! E para resolver esse quebra cabeça é preciso usar diferentes programas computacionais. Trabalho puxado que estou desenvolvendo nesse momento!!!

Quando já tivermos as letrinhas na sequência correta formando o genoma então,

4-) Precisaremos anotar os genes dentro desse genoma! Nem todas as letrinhas codificam os blocos da vida que geram os nossos tecidos e órgãos: as letrinhas que fazem isso são chamadas genes, e é preciso identificá-las no meio das outras sequências que têm outros papéis na geração da vida. Muitas dessas outras sequências são como guardas de trânsito; controlando a expressão dos genes na célula.

Esse trabalho de diferenciação entre genes e guardas de trânsito já está sendo iniciado - a medida que vamos gerando os primeiros grandes blocos de letrinhas em sequência correta através da montagem do genoma - e vai continuar pelos próximos dois anos, até que o projeto esteja em sua fase final, no início de 2017.

São esses genes que serão nomeados a partir dos nosso queridos colaboradores! Quando a hora de nomear genes chegar, e ela há de chegar, todos os colaboradores receberão um e-mail e precisarão escolher o nome dos seus genes! Que sejam generosos e deem nomes legais! Porque já bastam os nomes reais dos genes que indicam as funções bioquímicas deles! Por exemplo: o gene da glucose-6-fosfato-desidrogenase... an?? Fala sério! Que nomão!! Tomara que no genoma do mexilhão dourado ela chame-se John glucose-6-fosfato-desidrogenase ou Mary glucose-6-fosfato-desidrogese... Melhor, hein?

Acho que por hoje vou ficando por aqui. Em Berlim: eu, meu computador, as letrinhas... e o mexilhão! 




Quem estiver interessado em uma ciência mais hardcore pode dar uma olhada no último capítulo de livro que escrevemos sobre a relação da genética com a capacidade invasiva do mexilhão dourado. O capítulo está dentro deste livro: http://www.springer.com/gp/book/9783319134932 


*Quem quiser mais detalhes sobre os pagamentos, recibos e coisa e tal, pode escrever pra mim: marcela.uliano@gmail.com